Moradora, de 72 anos, conta que perdeu o controle da compulsão há 10 anos e comemora limpeza: 'É daqui para melhor'. Coordenadora de comitê afirma que caso será acompanhado.
Por Adriano Oliveira, G1 Ribeirão Preto e Franca.
Geladeira limpa, cama nova, televisão funcionando. Roupas lavadas na gaveta e lençóis com cheiro de amaciante. Elídia de Oliveira, de 72 anos, mal reconhece a própria casa, após a limpeza que terminou com a retirada de 10 caminhões de lixo em Ribeirão Preto (SP).
Acumuladora, a idosa passou cerca de 10 anos guardando roupas velhas, móveis quebrados, materiais recicláveis, entulho e lixo doméstico dentro do imóvel. A situação estava crítica e o caso foi denunciado ao Comitê de Atenção às Pessoas em Situação de Acumulação.
“Ainda não fizemos tudo, mas só de lavar ficou lindo. Não tenho por que não estar feliz. Olha tudo isso que fizeram para mim! Agora, tem que conservar, senão, de que adiantou fazer tudo isso? É daqui para melhor, não pode parar”, afirma.
Elídia de Oliveira, de 72 anos, conta que perdeu o controle em relação ao acúmulo de lixo — Foto: Adriano Oliveira/G1
Elídia diz que comprou o imóvel, no Jardim Marchesi, na década de 1960. O local ficou alugado por muitos anos, enquanto ela vivia com a mãe na casa de um irmão, em um bairro vizinho. No início dos anos 2000, ela e o filho adotivo, de 22 anos, voltaram a morar na residência.
Desde então, a compulsão por recolher e guardar lixo dentro de casa foi se agravando, principalmente após a morte do marido. A idosa conta que perdeu o controle e já não encontrava mais solução para o problema, apesar dos alertas do filho.
“Tinha pedido a Deus alguém para me ajudar, para a minha casa ficar, pelo menos, uma casa mesmo. Eu dizia: ‘meu Deus, não estou entendendo o que tenho que fazer, sozinha é tão ruim, se tivesse alguém para me ajudar seria tão bom’, e vieram”, diz.
Elídia de Oliveira conversa com agente de saúde e a coordenadora do Comitê de Atenção às Pessoas em Situação de Acumulação, Kelly Cristina de Oliveira — Foto: Adriano Oliveira/G1
Recuperação
Elídia já é acompanhada pela equipe do programa Saúde da família, mas deve receber tratamento para controlar a compulsão, conhecida como “Síndrome de Diógenes”, segundo explicou a coordenadora do Comitê Intersecretarial, Kelly Cristina da Silva.
“Ela perde a memória às vezes. Se ela não esquecesse tanto, estaria em uma condição muito melhor. Mas, o filho está junto e cuida”, afirma. “A gente montou uma pasta com o caso dela, tem que acompanhar, tem que receber visita frequente”, completa.
Tudo o que estava na casa de Elídia foi descartado, inclusive objetos pessoais dela e do filho, em um mutirão que teve início na segunda-feira (9) e durou três dias. Segundo Kelly, cerca de 20 ratos e cinco escorpiões foram mortos pelas equipes em meio ao lixo acumulado.
Equipes de limpeza retiram lixo da casa de Elídia de Oliveira, de 72 anos — Foto: Alexandre de Azevedo/Prefeitura de Ribeirão Preto
O imóvel está sendo mobiliado a partir de doações. Kelly previa pintar os cômodos e cimentar o quintal ainda neste final de semana, mas descobriu que há telhas quebradas na cozinha. A coordenadora do Comitê está providenciando os reparos necessários.
“De imediato, foram disponibilizadas cama, cômoda, TV, depois vem o restante. Os móveis, eu consegui como doação. Areia e pedra, já consegui. Já liguei em uma loja de tintas para pedir doação, tem um irmão de igreja do dono que pode pintar”, diz Kelly.
A coordenadora do Comitê explica que entre os 10 caminhões de objetos recolhidos da casa, dois foram cheios com recicláveis. A venda desses materiais possibilitou arrecadar dinheiro para comprar alimentos à idosa, que recebe Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Elídia de Oliveira, de 72 anos, acumulava lixo dentro de casa em Ribeirão Preto — Foto: Kelly Cristina da Silva/Arquivo pessoal
“Estou guardando o dinheiro para comprar fogão, panelas. Ela ainda precisa de panela de pressão, copos, pratos. Quando eu faço, faço como se fosse para mim. Sempre acompanho tudo e me preocupo com o depois, que é o mais importante”, explica.
Elídia comemora o recomeço aos 72 anos de idade. Para superar a compulsão, a dona de casa também espera contar com o apoio dos vizinhos, que sempre lhe oferecem alimentos. Nesta quinta-feira (12), por exemplo, o almoço foi feito por uma das moradoras da rua.
“Vão me deixar mal acostumada. Até para assistir TV eu tenho lugar agora. A cama serve de cadeira e para dormir. Você viu meu relógio? Também estou roupa nova. Não vou pegar mais nada, não. Se pegar, meu filho cata e joga fora, ele também cuida de mim”, diz.