Ao todo, 11 pessoas foram denunciadas por crimes como homicídio culposo, lesão corporal culposa e por crime contra o consumidor. Denúncia ocorre quase três meses após conclusão do inquérito.
Por Cristina Moreno de Castro e Patrícia Fiúza, G1 Minas — Belo Horizonte.
O Ministério Público de Minas Gerais denunciou à Justiça, nesta sexta-feira (4), 11 pessoas (veja a lista completa abaixo), inclusive os sócios-proprietários da cervejaria Backer, "por crimes cometidos em função da contaminação de cervejas fabricadas e vendidas pela empresa ao consumidor".
Os três sócios-proprietários da Backer foram denunciados pelas "condutas de vender , expor a venda , ter em depósito para vender , distribuir ou entregar a consumo produto que sabiam poderia estar adulterado", que está no parágrafo 1º-A do artigo 272, do Código Penal, e por "deixar de comunicar à autoridade competente e aos consumidores a nocividade ou periculosidade de produtos cujo conhecimento seja posterior à sua colocação no mercado", que está no artigo 64 do Código de Defesa do Consumidor.
Já sete engenheiros e técnicos encarregados da fabricação da bebida, segundo o Ministério Público, agiram com dolo eventual, ao fabricarem o produto sabendo que poderia estar adulterado. Eles foram denunciados por homicídio culposo e lesão corporal culposa, além do artigo 272, parágrafo 1-A, do Código Penal.
"Os engenheiros e técnicos responsáveis pela produção de cerveja assumiram o risco de fabricar produto adulterado, impróprio a consumo, que veio a causar a morte e lesões corporais graves e gravíssimas a inúmeras vítimas", afirma a denúncia a promotora de Justiça Vanessa Fusco.
Também foi denunciada uma testemunha, ex-funcionário da Backer, por apresentar declarações falsas no decorrer do inquérito policial.
"O 11º denunciado foi uma pessoa que se apresentou à época, tumultuando as investigações, trazendo suspeita de sabotagem, o que não se confirmou. Esta pessoa tinha uma demanda contra a empresa que vendeu os produtos tóxicos. Ainda estamos apurando como esta pessoa chegou para prestar este tipo de depoimento, o fato é que está denunciada pelo crime de falso testemunho."
Marco Aurélio Cotta foi a décima vítima de intoxicação com cerveja Backer. Ele morreu em julho deste ano. — Foto: Ângela Cotta/Arquivo Pessoal
A contaminação nas cervejas da Backer veio à tona em janeiro deste ano, quando a Polícia Civil começou a investigar a internação de vários consumidores após tomarem a cerveja Belorizontina, da Backer, com sintomas de intoxicação. Eles desenvolveram a síndrome nefroneural, que chegou a matar dez pessoas e deixar outras com problemas nos rins e sintomas como cegueira e paralisação facial, ainda em recuperação.
Segundo a promotora, a denúncia foi apresentada com 26 vítimas de intoxicação por dietilenoglicol, três a menos que o inquérito da Polícia Civil. De acordo com a Vanessa Fusco, estas são as vítimas que tiveram comprovação da intoxicação por exames do Instituto de Criminalística.
- ‘Quando isso acabar espero ter minha liberdade’, diz vítima da cervejaria Backer que vai receber rim doado pela mulher
As vítimas comemoraram a apresentação da denúncia nesta sexta-feira:
"Nós esperamos que a Justiça seja feito e ficamos felizes com os rumos que o caso têm tomado", disse Cristiano Gomes, 47, que ainda se recupera e precisa fazer diálise diariamente.
Cristiano Mauro Assis Gomes é uma das vítimas. À esquerda, foto tirada em 11 de abril; à direita, registro feito em 2 de maio. — Foto: Cristiano Mauro Assis Gomes/Arquivo Pessoal
Lista de denunciados
- Ana Paula Silva Lebbos - sócia da Backer: denunciada pelo crime do artigo 272, parágrafo 1º-A, do Código Penal, por fabricar, vender, expor à venda, importar, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribuir ou entregar a consumo a substância alimentícia ou o produto falsificado, corrompido ou adulterado.
- Hayan Franco Khalil Lebbos - sócio da Backer: denunciada pelo crime do artigo 272, parágrafo 1º-A, do Código Penal, por fabricar, vender, expor à venda, importar, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribuir ou entregar a consumo a substância alimentícia ou o produto falsificado, corrompido ou adulterado.
- Munir Franco Khalil Lebbos - sócio da Backer: denunciada pelo crime do artigo 272, parágrafo 1º-A, do Código Penal, por fabricar, vender, expor à venda, importar, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribuir ou entregar a consumo a substância alimentícia ou o produto falsificado, corrompido ou adulterado.
- Paulo Luiz Lopes - responsável técnico da Backer: denunciado por homicídio culposo e lesão corporal culposa, além do artigo 272 do Código Penal, parágrafo 1º-A.
- Ramon Ramos de Almeida Silva - responsável técnico da Backer: denunciado por homicídio culposo e lesão corporal culposa, além do artigo 272 do Código Penal, parágrafo 1º-A.
- Sandro Luiz Pinto Duarte - responsável técnico da Backer: denunciado por homicídio culposo e lesão corporal culposa, além do artigo 272 do Código Penal, parágrafo 1º-A.
- Christian Freire Brandt - responsável técnico da Backer: denunciado por homicídio culposo e lesão corporal culposa, além do artigo 272 do Código Penal, parágrafo 1º-A.
- Adenilson Rezende de Freitas - responsável técnico da Backer: denunciado por homicídio culposo e lesão corporal culposa, além do artigo 272 do Código Penal, parágrafo 1º-A.
- Álvaro Soares Roberti - responsável técnico da Backer: denunciado por homicídio culposo e lesão corporal culposa, além do artigo 272 do Código Penal, parágrafo 1º-A.
- Gilberto Lucas de Oliveira - chefe de manutenção da Backer: denunciado por homicídio culposo e lesão corporal culposa, além do artigo 272 do Código Penal, parágrafo 1º-A.
- Charles Guilherme da Silva - ex-funcionário da Backer: pelo crime de falso testemunho.
Penas
A pena para os sócios-proprietários e para os responsáveis técnicos vai de quatro a oito anos de reclusão, ainda acrescida da metade pelas lesões corporais e, em dobro, pelos homicídios, para cada uma das vítimas.
A promotora Vanessa Fusco disse, em entrevista coletiva, que as penas dos três sócio-proprietários poderão ser aumentadas em função das lesões corporais e mortes, provocadas pela ingestão do dietilenoglicol, o que ela afirma ter sido um "envenenamento".
"Os autores sócio proprietários estão sendo denunciados pelo crime contra a saúde pública e este crime, quando ocorre e ocorre em virtude deste uma morte ou lesão corporal, há aumento de pena. Toda a conduta praticada do artigo 272 que origine ou venha a causar morte gera este aumento. Pelo homicídio tem aumento da metade da pena e lesões corporais até um terço", disse.
No caso do artigo 64 do Código de Defesa do Consumidor, a denúncia se justifica, segundo a promotora, porque os sócio-proprietários não teriam recolhido todas as cervejas, "assim que foi identificado pela Anvisa e MAPA a nocividade ou envenenamento destas bebidas".
Os responsáveis técnicos ainda respondem pelos homicídios e lesões corporais de forma culposa, podendo vir a ser condenados a penas de um a três anos e ainda dois meses a um ano de reclusão por cada uma das vítimas.
Crimes foram comprovados, diz MP
Segundo o Ministério Público, a materialidade dos crimes foi comprovada pelo laudo pericial da Engenharia da Polícia Civil de Minas Gerais e do Instituto de Criminalística produzido nos lotes e tanques da cerveja, além dos laudos toxicológicos e de necropsia das vítimas.
Segundo o MP, foi constatada a adulteração das bebidas alcoólicas por monoetilenoglicol e dietilenoglicol.
As substâncias foram encontradas nas cervejas recolhidas para análise e ainda na planta fabril da empresa. Os pontos de contaminação que originaram o envenenamento das bebidas alcoólicas foram identificados em vários tanques e ainda em diversos pontos da fábrica, conforme laudo da engenharia da Polícia Civil.
O Ministério Público considerou que, ao adquirir deliberadamente – quando haviam outros produtos anticongelantes – o monoetilenoglicol, impróprio para o uso na indústria alimentícia, os sócios-proprietários assumiram o risco de produzir as bebidas alcoólicas adulteradas.
Inquérito indiciou 11 pessoas
A denúncia é oferecida quase três meses depois da conclusão do inquérito pela Polícia Civil, que levou ao indiciamento de 11 pessoas ligadas à cervejaria Backer. Entre os crimes apontados pela polícia no fim de junho estavam lesão corporal, contaminação de produto alimentício e homicídio.
Segundo o delegado Flávio Grossi, foi possível comprovar a existência de um vazamento no tanque de cerveja.
O inquérito, que chegou a considerar 42 vítimas, foi concluído com 29 vítimas criminais, segundo a Polícia Civil. Dez morreram.
Cervejaria falou em reparação após 8 meses
No dia 10 de agosto, quase oito meses depois do primeiro caso de contaminação por dietilenoglicol em cervejas da Backer vir a público, a cervejaria quebrou o silêncio e se manifestou sobre o caso pela primeira vez.
No comunicado, a Backer lamenta o ocorrido, a fim de prestar solidariedade a “todos aqueles que estão sofrendo diretamente as consequências do sinistro”. A cervejaria informou, também, ter contratado uma empresa especializada na solução de conflitos.
Segundo o texto, o objetivo é entrar em contato com as vítimas ou parentes para “minimizar os sofrimentos e buscar uma solução capaz de trazer conforto e paz para todos”. A publicação diz que as sessões já começaram a ser agendadas. A Backer enfatiza que, nessa iniciativa, não haverá espaço de diálogo “para o debate sobre culpas e responsabilidades, buscaremos apenas soluções”.
O G1 procurou a Backer nesta sexta-feira (4) para comentar a denúncia e aguarda a resposta.
Cervejaria Backer, no bairro Olhos D'Água, em Belo Horizonte — Foto: Odilon Amaral/TV Globo
Retomada das operações
A cervejaria Backer pode voltar a funcionar, segundo informação passada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), no dia 5 de agosto. O ministério informou, durante coletiva de imprensa, que a empresa já fez o pedido e, caso cumpra todas os requisitos de segurança, poderá reabrir.