Sexta, 02 Julho 2021 10:45

O escândalo da influencer que enganou o mundo com falso câncer

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Por BBC.

Era 2013, Kylie passava por sessões de quimioterapia intensas e exaustivas havia seis meses para tratar um linfoma recém-diagnosticado quando foi questionada: "você já ouviu falar dessa garota chamada Belle Gibson?"

Uma rápida busca na internet a levou ao perfil cuidadosamente desenvolvido por uma blogueira australiana de saúde e bem-estar, na época com mais de 300 mil seguidores.

Cada publicação possuía dezenas de comentários elogiosos de seguidores de todo o mundo.

Kylie, que também é australiana, ficou surpresa com a descoberta: "Belle era tão bonita, bem-sucedida... ela foi uma inspiração para muitas pessoas", diz.

Na internet, Belle Gibson contava a história de como, depois que lhe deram apenas quatro meses de vida, ela "curou" seu câncer cerebral inoperável por meio de uma alimentação saudável.

Kylie não conseguia deixar de se comparar a ela. Enquanto fazia uma sessão diária de quimioterapia, o que fazia seu cabelo cair, e estava perto de fazer sua décima oitava punção lombar — um procedimento doloroso em que uma uma agulha grande é introduzida na medula espinhal —, Belle vendia a receita de seu estilo de vida milagroso e livre do câncer que Kylie sonhava.

"(Pensei que) talvez ela estava certa, talvez eu estivesse fazendo tudo errado", lembra Kylie.

"Eu estava morrendo por dentro e piorava a cada tratamento. Eu parecia horrível, enquanto ela estava vivendo a sua melhor vida", acrescenta.

Na época, a indústria de bem-estar, que atualmente é avaliada em cerca de US$ 3,8 trilhões (cerca de R$ 19 trilhões) em todo o mundo, estava em crescimento.

O público em geral já havia ouvido falar que abacates são "superalimentos" e muitas pessoas tentavam imitar o estilo de vida "saudável" que os blogueiros exibiam sem qualquer preocupação (ou pouca) sobre a veracidade das afirmações que faziam.

Em seu livro, Belle disse: "Me empoderei para salvar minha própria vida por meio da nutrição, paciência, determinação e amor".

Fascinada pela ideia de tomar o controle de seu próprio tratamento, Kylie comprou o livro de receitas e assinou o aplicativo de Belle, The Whole Pantry ("Toda a despensa", em tradução livre para o português). A marca da blogueira estava respaldada por uma das maiores editoras, a Penguin, e pela gigante da tecnologia Apple.

Desesperada para melhorar, Kylie acordou um dia para ir ao hospital e decidiu que estava farta de "todas as agulhas e picadas". Para ela, isso havia acabado.

"A quimioterapia não estava funcionando para mim. (Eu disse a mim mesma que) deveria parar e tentar uma alimentação saudável", conta.

"(Belle) dizia que estava curando seu próprio câncer, que estava melhorando".

"Tinha isso na minha frente (como prova). Estava no meu celular, nas revistas, nos noticiários... então confiei nela", detalha Kylie.

Mas Belle não estava melhorando…

Em março de 2015, uma publicação australiana expôs que Belle havia mentido aos seus seguidores que doava parte da venda de seus livros e aplicativos para organizações beneficentes.
 

Logo, muitos jornalistas começaram a questionar e a investigar se Belle também estava enganando as pessoas sobre o seu estado de saúde.

"Gostaria que tivessem feito isso antes de darem a ela toda a plataforma para que se transformasse em quem ela se transformou", diz Kylie.

Depois que a mentira sobre as doações para entidades beneficentes veio à tona, foi descoberto que Belle também havia mentido sobre o seu câncer.

Em setembro de 2017, a influencer recebeu uma multa de mais de US$ 300 mil (cerca de R$ 1,5 milhão) por parte do governo australiano por enganar os leitores sobre as doações para instituições de caridade, após ela ter sido declarada culpada por cinco infrações da lei do consumidor.

Uma juíza disse que Belle pode ter acreditado "de maneira genuína" naquilo que ela mesma estava dizendo e que ela pode ter sofrido "delírios" sobre sua própria saúde.

'Eu só estava ficando mais doente'

Maxine, que mora no Reino Unido, estava na universidade quando começou a seguir Belle nas redes sociais.

Apaixonada pela cultura do bem-estar no Instagram, ela se sentiu atraída pelas histórias de pessoas que abandonaram tratamentos médicos tradicionais para tratar suas doenças de forma "natural".

 "(Belle) era a abelha-rainha do bem-estar", aponta Maxine.

Desde os 11 anos, Maxine luta contra a colite ulcerosa, uma inflamação crônica do intestino grosso.

Os sintomas mais comuns são diarreia, perda de sangue, dores abdominais e fadiga. É uma doença que dura a vida toda e geralmente é possível ser controlada com medicamentos.

"Passei mal ao receber o diagnóstico", relata Maxine.

"Quando tinha 12 anos, muitos médicos me diziam: 'são os seus hormônios' ou 'são apenas dores menstruais'", diz.

"Isso me fez ter uma atitude negativa em relação aos médicos e a abordagem com relação às doenças crônicas, porque eu não sentia que havia apoio a longo prazo", comenta.

Depois de perder semestres inteiros na escola devido ao seu estado de saúde, tudo o que Maxine queria na universidade era ser como os outros.

"Estava revoltada por ter que enfrentar essa doença e não ser uma adolescente normal", declara.

Ela também se sentia frustrada por ter ganhado peso com as pílulas e as altas doses de esteroides que precisou consumir durante o tratamento. Maxine afirma que isso teve um efeito negativo em sua imagem corporal.

Sem os medicamentos, Maxine se agarrou ao aplicativo de "comida limpa" de Belle.

"Isso reforçou a crença ridícula de que eu não precisava de medicamentos para controlar a minha doença", diz Maxine à BBC.

"Estava muito envolvida em tudo o que tinha a ver com comida. Adotei uma dieta baseada em alimentos de origem vegetal, que acreditava que eliminaria muitos ingredientes 'tóxicos'", afirma.

Maxine deixou de lado todos os produtos de origem animal, o glúten e os carboidratos. "Foi muito extremo", diz.

 

Em pouco tempo, perdeu tanto peso que deixou de menstruar e a sua saúde começou a piorar. "Depois de uma espécie de efeito placebo inicial, tudo desmoronou", relata.