Em 2019, Supremo abriu inquérito das 'fake news' sem pedir manifestação ao Ministério Público Federal. No último dia 4, Bolsonaro foi incluído no inquérito, por ataques ao sistema eleitoral.
Por Márcio Falcão e Fernanda Vivas, TV Globo — Brasília
O presidente Jair Bolsonaro ingressou nesta quinta-feira (19) com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) a fim de impedir o tribunal de abrir inquérito "de ofício", ou seja, por iniciativa própria — sem pedido do Ministério Público Federal.
A ação, assinada por Bolsonaro e pelo advogado-geral da União, Bruno Bianco, questiona o artigo 43 do regimento interno do Supremo, que deu origem ao inquérito das "fake news", aberto de ofício em março de 2019 pelo então presidente do STF, ministro Dias Toffoli, com o objetivo de apurar notícias fraudulentas e ameaças a ministros do tribunal.
No último dia 4, a pedido do Tribunal Superior Eleitoral, o relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, incluiu Bolsonaro no inquérito, em razão dos ataques do presidente às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral (vídeo abaixo).
O artigo 43 do regimento do STF prevê que "ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro". A ação pede a suspensão liminar (provisória) do artigo até o julgamento do pedido pelo tribunal.
O governo argumenta que o regimento tem sido interpretado de forma a permitir violações de vários direitos e a representar um instrumento para dificultar a atuação do Ministério Público Federal.
Os cinco problemas centrais que Bolsonaro e o advogado-geral apontam na ação são:
- formalização abstrata dos motivos de instauração do inquérito;
- distribuição concentrada de notícias de fato sem nexo de conexão concreta aparente com a investigação originária;
- minimização da posição institucional do Ministério Público, sobretudo nas decisões pertinentes à decretação de medidas cautelares sujeitas a reserva de jurisdição;
- ausência de meios de controle de eventuais vícios surgidos na investigação; e
- possibilidade de participação do Ministro Instrutor/Relator no julgamento de autoridades com foro por prerrogativa de função.
"Há violação persistente e difusa de direitos fundamentais dos acusados, há uma omissão do Supremo Tribunal Federal em neutralizar os atos destoantes dos preceitos fundamentais e há um claro bloqueio institucional para o aperfeiçoamento da temática, já que alteração regimental é dependente da iniciativa da Suprema Corte, razão pela qual somente ela pode reparar as violações constitucionais em andamento", diz o texto da ação.
Na ocasião em que foi instaurado, o inquérito foi alvo de questionamento pelo Ministério Público Federal e em parte do meio jurídico. Dez ações foram apresentadas ao STF questionando a investigação.
O então ministro Marco Aurélio Mello, atualmente aposentado, foi uma das vozes críticas. Ele disse que o Supremo deveria "manter uma necessária distância de investigações que envolvam apuração de suposto crime contra a própria Corte".
Em junho do ano passado, o plenário do Supremo decidiu por 10 votos a 1 que o inquérito é legal e que o Ministério Público tem de participar .
Foi com base nesse inquérito que o ministro Alexandre de Moraes autorizou várias medidas contra a propagação de ameaças e conteúdo falso na internet, entre as quais uma operação, em maio do ano passado de buscas e apreensões contra empresários e blogueiros ligados ao presidente Jair Bolsonaro.
Para Moraes, há provas que indicam a formação de uma associação criminosa para a disseminação das fake news. De acordo com o ministro, as informações falsas afetam a independência entre os poderes e põem em risco a democracia.