Antes do rompimento da barragem, 1% dos participantes da pesquisa relatavam ansiedade e depressão severa. Depois do desastre, percentual subiu para 23%.
Por Raquel Freitas, G1 Minas — Belo Horizonte.
Aumento de ansiedade, surgimento de depressão, pessoas que passaram a tomar remédios controlados. Relatos assim são comuns entre pessoas que tiveram a vida revirada pela enxurrada de lama que jorrou da barragem da Samarco, em 2015, em Mariana (MG).
Um estudo realizado com os atingidos pelo rompimento mensurou esses impactos, e os resultados têm magnitude que pode ser considerada "catastrófica", segundo responsáveis pela pesquisa. O estudo aponta que 74% das pessoas tiveram perdas de qualidade de vida em saúde.
A pesquisa, que foi recentemente publicada na revista interacional "Science Direct", é parte de um projeto para realizar a valoração dos danos materiais e imateriais decorrentes do desastre.
O estudo foi contratado pela Cáritas, entidade que atua no assessoramento dos atingidos, e coordenado pelas professoras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Mônica Viegas e Kenya Noronha, da Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar).
“Um dos resultados principais do estudo foi a magnitude da perda em qualidade de vida relacionada à saúde, sendo inclusive considerada catastrófica. Entre os indivíduos atingidos, 74% relataram perdas de saúde após o rompimento da barragem, com cada indivíduo tendo em média uma deterioração de 27% em sua saúde, sendo comparável à de pacientes com Parkinson, diabetes mellitus ou HIV”, dizem as professoras.
Paracatu de Baixo — Foto: Raquel Freitas / G1
Esses números impactam o cotidiano de muitas famílias, como a de um comerciante que perdeu a casa em 2015 e até hoje segue sem previsão de quando receberá um novo imóvel.
Ele conta que sua mulher enfrentava um quadro de depressão profunda, mas, antes da tragédia, o casal comprou uma casa em uma das comunidades atingidas. Aos poucos, o quadro de saúde dela foi melhorando. No entanto, após a tragédia, ela voltou a ter crises de ansiedade e segue em acompanhamento até hoje. O comerciante diz que ele também chegou a precisar de atendimento psicológico, com indicação de encaminhamento para psiquiatra.
O estudo, que ouviu 459 adultos e 52 crianças, aponta que, antes do rompimento da barragem, a proporção de indivíduos sofrendo de ansiedade e depressão severa era igual a 1%.
“Esse percentual sobe para 23% após o rompimento da barragem. No caso de dor/mal-estar, essa proporção aumenta de 1% para 11%”, dizem as pesquisadoras.
Com a destruição de comunidades, como Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, moradores acostumados com a vida pacata na zona rural se viram obrigados a viver na sede de Mariana, deixando para trás plantações, criações e a convivência diária com parentes e amigos.
"Os efeitos do rompimento da barragem foram ainda mais graves para os idosos devido à baixa capacidade de adaptação e recuperação de traumas comumente observada nesse subgrupo populacional. As perdas estimadas para os idosos são comparáveis a pacientes com condições crônicas graves”, afirmam as pesquisadoras.
Impactos persistem com demora
Moradores relatam que os impactos à saúde mental não cessaram na época do rompimento. Pelo contrário, eles afirmam que a falta de uma data definitiva para entrega do reassentamento das comunidades, a judicialização das indenizações e o preconceito que sofrem de outros moradores de Mariana contribuem para agravar a situação.
“É um processo de violação de direitos que se dá cotidianamente, de forma continuada”, diz o coordenador da assessoria técnica aos atingidos em Mariana, Gladston Figueiredo, da Cáritas.
Quase seis anos após a tragédia, nem mesmo as obras de infraestrutura dos reassentamentos em Mariana estão prontas. A entrega deveria ter sido feita em fevereiro deste ano, mas segue sem prazo.
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No novo Bento Rodrigues, segundo dados da Fundação Renova, apenas dez casas estão concluídas. Em Paracatu de Baixo, a situação é ainda pior. Só seis residências tiveram a construção iniciada.
De acordo com as pesquisadoras, o estudo não avaliou de que forma os danos se estenderiam ao longo do tempo, mas elas afirmam que há evidências da persistência das doenças comportamentais e psicológicas.
“Como nosso estudo foi realizado após três anos do rompimento da barragem, o estado de saúde aferido já se refere ao período de recuperação ou agravamento das perdas de saúde. A perda em saúde pode tanto se dissipar como também se acentuar ao longo do tempo dependendo da capacidade de resiliência e adaptação dos indivíduos a essa nova realidade imposta pela tragédia”, afirmam.
Mas elas destacam que, em Mariana, a população atingida está exposta a vários fatores que são considerados agravantes do estado de saúde de vítimas de eventos desse tipo. "Tais como população vulnerável, deslocada de seu habitat original determinando ruptura de identidade individual e social, perda de estilo de vida, dificuldade de manutenção de atividades produtivas, e desgaste crônico com o processo jurídico para compensação das perdas", dizem.
Marcas da tragédia de Mariana denunciam extensão dos impactos na vida dos atingidos — Foto: Raquel Freitas/G1
O que diz a Fundação Renova
A Fundação Renova afirmou que vem cumprindo todas as ações previstas e destinadas a prestar apoio para o atendimento à Prefeitura de Mariana na execução dos planos de ação de saúde e de assistência social para atenção às famílias atingidas.
“A Fundação Renova informa que, atualmente, 44 profissionais – entre médicos, enfermeiros, assistentes sociais e psicólogos, sendo 24 para o Programa de Saúde e 20 para a Proteção Social – contratados pela Fundação Renova atuam em Mariana. As atividades desses profissionais estão sob a gestão da Secretaria Municipal de Saúde. A Fundação também será responsável pelo apoio à capacitação de profissionais do SUS do município, que está prevista para o início do próximo ano”, disse em nota.
A entidade informou também que que entregou, em maio de 2020, o novo Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil, espaço que foi reformado e ampliado. “Em 2020, R$ 19 milhões foram desembolsados para apoio a políticas públicas entrega do Centro de Atenção psicossocial para Infância e Juventude (CAPSIJ) de Mariana. Em 2021, até o momento, o desembolso foi de R$ 5,16 milhões”, afirmou.
Em relação aos reassentamentos, a fundação diz que os prazos estão sendo discutidos na Justiça. “Foram expostos os protocolos sanitários aplicáveis em razão da Covid-19, que obrigaram a Fundação a trabalhar com equipes reduzidas e a reprogramar as atividades. Também foram expostos todos os desafios que envolvem particularidade das modalidades e etapas das obras, aprovação de leis, emissão de alvarás e aprovação dos projetos pelas famílias”, pontuou a Renova.
Já sobre as indenizações, a fundação disse que já foram pagos R$ 256,4 milhões em em Mariana.