O vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, afirmou ao Supremo Tribunal Federal (STF) em manifestação oficial que a Procuradoria-Geral da República (PGR) instaurou, durante a gestão de Augusto Aras, "número recorde de investigações preliminares" sobre a conduta do presidente da República.
No documento, Medeiros cita esse recorde para negar que Aras esteja incorrendo em prevaricação – ou seja, que esteja deixando de atuar segundo as obrigações do cargo para obter benefício próprio. O vice-PGR fala ainda em uma suposta tentativa de "criminalização" da independência funcional do Ministério Público.
As investigações preliminares abertas no âmbito do Ministério Público são procedimentos anteriores a um pedido formal de abertura de inquérito ao Supremo, feito quando a PGR reúne elementos mínimos de crimes atribuídos a autoridades com foro na Corte.
Apesar do recorde citado pelo vice-PGR, as 92 apurações preliminares do órgão sobre as condutas de Jair Bolsonaro deram origem, até o momento, a apenas dois inquéritos no STF: um sobre suposta interferência na Polícia Federal, e outro sobre supostos problemas na compra da Covaxin.
As informações foram apresentadas pela PGR ao STF em um parecer que pede a manutenção do arquivamento do pedido para que o procurador-Geral da República, Augusto Aras, fosse investigado por prevaricação.
O relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, decidiu arquivar a demanda, mas os senadores Fabiano Contarato (Rede-ES) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE) recorreram, pedindo que o caso seja enviado ao Conselho Superior do Ministério Público – a quem caberia abrir a apuração.
Veja detalhes sobre o pedido de investigação no vídeo abaixo:
O pedido de apuração
De acordo com a legislação, prevaricar consiste em "retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal".
Segundo os senadores, Aras teria prevaricado por ter deixado de atuar em relação a ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral, por não defender o regime democrático e não fiscalizar o cumprimento da lei no enfrentamento à pandemia.
Os dados da PGR
De acordo com o documento enviado ao Supremo, nos últimos 23 meses da gestão de Aras, foram abertas 92 apurações preliminares contra o presidente da República – em todo esse período, o cargo foi ocupado por Jair Bolsonaro.
Na gestão de Raquel Dodge, entre 2017 e 2019, o documento diz que houve 28 procedimentos deste tipo.
Já nas duas gestões de Rodrigo Janot, entre 2013 e 2017, foram 77 notícias de fato (25 nos primeiros dois anos e 52 nos dois últimos).
"Os números são superlativos, sim. Mas além deles é necessário observar que não há prática indevida de ato de ofício, não há retardamento, não há prática contra legem. Há apenas uma atuação independente, atempada e sempre fundamentada, que desagrada os representantes nas suas expectativas", escreveu.
O vice-PGR afirmou ainda que satisfazer a todos os lados é uma "impossibilidade lógica". "A satisfação dos jurisdicionados é uma impossibilidade lógica uma vez que, havendo dois lados, sempre haverá um atendido e um desatendido", argumentou. Ponderou ainda que "o acréscimo de que atuação do Procurador-Geral da República estaria alimentada pela aspiração de tornar-se Ministro do Supremo Tribunal Federal é de fragilidade apressada".
Também alertou para tentativa de criminalização de atos do Ministério Público, pautados pela independência funcional.
"Pretender-se extrair omissão dolosa e injustificada a partir do acompanhamento midiático de prazos judiciais, impróprios e exíguos, tanto quanto pretender-se subsumir ao tipo de prevaricação a manifestação pelo não conhecimento de ADPFs ou pelo arquivamento de Petições, revela uma tentativa de criminalização de atos finalísticos aos quais a Constituição, ao contrário, pretendeu que fossem livres de pressões e interferências, ao garantir aos membros do Ministério Público independência funcional".
Decisão
Ao arquivar a notícia-crime dos senadores, Moraes entendeu que os elementos apresentados pelos parlamentares não justificavam o envio do caso ao Conselho Superior do Ministério Público, a quem cabe apurar supostas condutas irregularidades dos membros do MP.
No recurso, os senadores solicitaram que o pedido de investigação seja enviado ao Conselho Superior do MPF, órgão responsável por investigar o PGR.
“As omissões destacadas como evidência do cometimento do crime de prevaricação ganham especial relevo considerando que o Procurador-Geral da República, enquanto titular exclusivo da ação penal pública com relação as indivíduos responsáveis pelas irregularidades identificadas, é a única autoridade com competência constitucional e legal para desempenhar os atos de ofício correspondentes à abertura de inquéritos, solicitação de diligências investigatórias e apresentação de denúncia”, dizem os senadores.