Ivon Correa disse em áudio que demonstração de afeto foi 'avacalhação' e, por isso, imagem da PM estaria 'irreversivelmente maculada'. Juiz entendeu que ato 'não pôs corporação ao escárnio público'; g1 tenta contato com defesa do militar.
Por Brenda Ortiz, g1 DF
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) condenou o tenente-coronel Ivon Correa, da reserva da Polícia Militar (PMDF), a pagar R$ 25 mil, por danos morais, ao soldado Henrique Harrison da Costa, após "comentários homofóbicos".
As declarações ocorreram depois que Henrique publicou uma foto beijando o então namorado, ao lado de duas colegas lésbicas, durante uma formatura da corporação, em janeiro de 2020. A decisão da 7ª Vara Cível de Brasília é de primeira instância e ainda cabe recurso.
Em um áudio, que circulou em grupos de troca de mensagens da PM, o militar da reserva dizia que a demonstração de afeto foi "uma avacalhação" e "frescura". Ele afirmou ainda que os colegas gays "não se criam" e que a corporação foi "irreversivelmente maculada" por conta dos beijos no evento.
Após o caso ganhar repercussão, o coronel alegou que não divulgou a gravação, mas "apenas manifestou sua opinião em conversa particular". O g1 tenta contato com a defesa do policial e aguarda um posicionamento da corporação sobre o caso.
'É apenas um beijo'
De acordo com a decisão do juiz Pedro Matos de Arruda, que julgou o processo, na foto que teria "destruído a reputação" da PMDF, não há representação de sexualidade, de lasciva, de ato libidinoso qualquer.
"É, de fato, apenas um beijo. E não há por que percutir tão negativamente por um ato que não põe a PMDF ao escárnio público", decidiu o magistrado.
Na sentença, o juiz julgou procedente o pedido formulado para condenar o réu ao pagamento de R$ 25 mil a título de compensação por danos morais.
"Se o réu tem o direito de manifestar o seu pensamento, o autor tem o direito de ter sua honra resguardada. A implicação de que ele não merece estar na corporação por mostrar-se gay configura a ilicitude, pois viola direito igualmente assentado na Constituição da República: o dever de não-discriminação pela orientação sexual", concluiu o magistrado.
Após o caso, o soldado Henrique Harrison precisou ficar afastado do trabalho na PMDF por oito meses, para tratar um quadro de depressão e ansiedade, causado, segundo o militar, pela reação de outros policiais após o beijo no parceiro durante a formatura como policial.
Henrique voltou às atividades na última segunda-feira (22) e, em entrevista ao g1, comemorou a decisão da Justiça do DF.
"Essa decisão é linda. A sentença é perfeita e acaba com cada fala homofóbica que foi dita. Fala sobre liberdade. Tudo o que todo mundo quer", afirmou o policial militar.
Relembre o caso
O caso ocorreu em janeiro de 2020, quando o soldado da Henrique Harrison e a cabo Cely Farias – que são gays – levaram seus respectivos parceiros à formatura da corporação. Segundo eles, depois de publicarem uma foto beijando os parceiros, acabaram sendo ofendidos pelo tenente-coronel da reserva, que usou as redes sociais para condenar a atitude.
Em um áudio que circulou em grupos de troca de mensagens, Ivon também disse que o beijo foi uma "tentativa de enxovalhar essa farda que nós gastamos duzentos e cacetada anos pra fazer o nome dela".
"Nós hoje somos motivo de chacota no Brasil inteiro [...]. Muito obrigado, senhores, os senhores conseguiram destruir a reputação da nossa Polícia Militar", disse o tenente-coronel da reserva, na época da formatura.
O militar também acrescentou: "Não tenho nada a ver com a sexualidade deles. A porção terminal do intestino é deles e eles fazem o que quiserem. Uma coisa é o que se faz quando se está fardado […]. Aprendemos sempre que se deve preservar a honra e o pundonor policial militar. Então é isso que foi quebrado ali. Aquela avacalhação, aquela frescura ali poderia ter sido evitada. É lamentável", mostra a gravação de áudio.