'Não queremos ficar chorando porque as pessoas morrem'
Carta assinada por 49 mulheres revela preocupação caso o governo federal não atue para frear ação de garimpeiros na maior terra indígena do país. Documento foi entregue nessa segunda-feira (12), dia em que Lula (PT) recebeu diploma do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Por Valéria Oliveira, g1 RR — Boa Vista.
"Quando o garimpo está próximo, nós mulheres ficamos muito preocupadas e andamos com muito medo. Os garimpeiros nos ameaçam e nós não queremos viver assim, queremos viver em paz" - o relato é de um trecho de uma carta assinada por mulheres Yanomami entregue ao presidente eleito Luis Inácio Lula da Silva (PT) nessa segunda-feira (12). O documento expõe detalhes da crise humanitária em que vivem os indígenas na Terra Yanomami, maior reserva do Brasil, que hoje sofrem com a ação desenfreada de garimpeiros.
A carta, assinada por 49 mulheres que vivem em 15 comunidades na reserva, classifica como "verdadeiro caos sanitário" a atual situação do povo Yanomami, cita os conflitos causados pelos invasores e pede ao presidente eleito que atue para combatê-los.
O documento cita o medo, dor e a preocupação das mulheres indígenas com o que pode acontecer caso não haja alguma ação efetiva do governo federal para frear a ação criminosa dos invasores. Este ano, a Terra Yanomami completou 30 anos de demarcação e meio a maior devastação da história.
Atualmente, a atividade de exploração ilegal impacta, ao menos, 56% da população Yanomami. A saúde, com inúmeros casos de desnutrição severa entre crianças e adultos, é uma dos maiores problemas causados pelos garimpos.
Na reserva vivem quase 30 mil indígenas ameaçados pela presença de 20 mil garimpeiros que exploram e degradam a floresta em busca de minérios como o ouro e a cassiterita, deixam a região vulnerável às doenças e suscetível a conflitos armados.
"Os rastros de garimpeiros fazem crescer a malária. Antes, quando não tinha tantos garimpeiros, as doenças eram poucas. Em algumas regiões do território Yanomami, nossas crianças estão morrendo por malária, desnutrição, pneumonia e até por infestação de vermes".
"Tire os que estão invadindo a Terra Yanomami. Faça as operações para tirar os garimpeiros e suas máquinas. As poucas operações só retiram as pessoas e deixam as máquinas na floresta, isso facilita que os invasores retornem e reativem aqueles locais de exploração. Tem que fechar o caminho de entrada deles. Tem que fiscalizar os caminhos, bloquear os rios e pistas de pouso que eles usam para chegar até a nossa terra. Tem que fazer cumprir a lei. Nossa terra é demarcada e o garimpo nas Terras Indígenas é ilegal", pedem elas a Lula.
A carta para o presidente eleito foi intermediada pela Hutukara Associação Yanomami (HAY), e feita durante o XIII Encontro de Mulheres Yanomami, realizado na região da Missão Catrimani, em Caracaraí, no Sul do estado. Catrimani é a mesma localidade onde foi feita a foto de uma menina indígena extremamente magra dentro de uma rede - a imagem do descaso com a Saúde Yanomami repercutiu internacionalmente.
Violência sexual
As indígenas também expuseram relatos de violência sexual cometido contra mulheres e meninas pelos garimpeiros. Os depoimentos são semelhantes aos publicadas no relatório "Yanomami sob ataque", divulgado pela Hutukara em abril desde ano.
"Garimpeiros assediam as meninas e outros querem pagar serviços maritais. Eles querem fazer assim, mas nós mulheres não queremos que nossas filhas e netas sejam entregues e abusadas por essas pessoas. Os garimpeiros aliciam os jovens e suas esposas. Esses jovens são atraídos e ficam dependentes dos poucos alimentos industrializados que recebem como pagamento", afirmam.
Além disso, ela citaram os postos de saúde fechados, a falta de remédios para tratar doenças como a malária, pediram abertura de escolas para crianças estudarem, formação de qualidade para os professores indígenas e agentes indígenas de saúde (AIS). E, antes de tudo, pediram para que o presidente eleito as consultem para que o desejo delas sejam respeitados antes de qualquer decisão do governo federal.
Assinaram a carta mulheres das comunidades indígenas Rokoari, Konapi, Monopi, Narahi Uhi, Pacú, Mauxiu, Yaropi, Samaúma, Rakopi, Watoriki, Buriti, Hapakarahi, Waroma, Prainha, e Bacabal. O documento foi escrito no português e na língua Yanomami.