Na década de 1950, cientistas americanos queriam bombardear superfície da Lua para intimidar sua grande rival, a União Soviética.
Por Mark Piesing, BBC.
O momento em que o astronauta Neil Armstrong (1930-2012) deu seu famoso passo na superfície da Lua em 1969 é lembrado como um dos mais memoráveis da história da humanidade.
Mas como teria sido se a Lua em que Armstrong pisou estivesse marcada por enormes crateras e contaminada pelos efeitos de um bombardeio nuclear?
Isso porque, em plena Guerra Fria, os Estados Unidos cogitaram detonar uma bomba de hidrogênio na Lua, no que ficou conhecido como Projeto A119, de autoria de Leonard Reiffel (1927-2017).
Um dos principais físicos químicos dos Estados Unidos, Reifell trabalhou com Enrico Fermi, o criador do primeiro reator nuclear do mundo, conhecido como o "arquiteto da bomba nuclear".
As bombas de hidrogênio eram muito mais destrutivas do que a bomba atômica lançada sobre Hiroshima em 1945 e consideradas o que havia de mais moderno em armamento nuclear na época.
Entre maio de 1958 e janeiro de 1959, Reiffel produziu vários relatórios sobre a viabilidade do projeto.
Inacreditavelmente, um dos cientistas que possibilitaram esse plano foi o astrônomo Carl Sagan (1934-1996), que se tornaria um ícone desse campo.
Na verdade, a existência do projeto só foi descoberta na década de 1990 porque Sagan o mencionou em uma inscrição para uma universidade de elite nos EUA.
Batalha espacial
Embora se acredite que o plano poderia ter ajudado a responder algumas questões científicas rudimentares sobre a Lua, o principal objetivo do Projeto A119 era uma demonstração de força.
A bomba explodiria no terminador da Lua (zona de crepúsculo ou "linha cinza"), ou seja, a fronteira entre os lados claro e escuro da Lua, para criar um flash de luz brilhante que qualquer um, mas especialmente no Kremlin, poderia ver a olho nu.
A ausência de uma atmosfera significava que não haveria nuvem de cogumelo nuclear.
Existe apenas uma explicação convincente para propor um plano tão sombrio, e sua motivação está entre a insegurança e o desespero.
Na década de 1950, não parecia que os Estados Unidos estavam vencendo a Guerra Fria.
Havia uma sensação, alimentada por políticos americanos e pela própria opinião pública, de que a União Soviética (URSS) estivesse à frente na corrida nuclear, especialmente no desenvolvimento e número de bombardeiros e mísseis nucleares.
Posteriormente, descobriu-se que esses temores eram infundados.
Mas os Estados Unidos tinham motivos para suspeitar que estavam ficando para trás, apesar da explosão da primeira bomba de hidrogênio em 1952.
Para surpresa de Washington, os soviéticos conseguiram explodir a deles apenas três anos depois, e então, em 1957, Moscou deu um grande salto na corrida espacial com o lançamento do Sputnik 1, o primeiro satélite artificial em órbita ao redor do mundo.
Contribuiu para o nervosismo dos americanos o fato de que o Sputnik tenha sido lançado em um ICBM soviético — embora modificado — e que a própria tentativa de Washington de lançar uma "lua artificial" tenha terminado em uma fracasso retumbante.
Imagens do foguete Vanguard transformando-se em uma enorme bola de fogo deram a volta pelo mundo.
Na ocasião, um cinejornal britânico descreveu o episódio sem papas na língua: "A VANGUARDA FALOU... um grande revés no campo do prestígio e da propaganda...".
Enquanto isso, nas escolas americanas, os alunos eram expostos ao famoso filme informativo "Duck and Cover", no qual Bert, uma tartaruga animada, ensinava às crianças o que fazer no caso de um ataque nuclear.
Mais tarde naquele ano, jornais americanos, citando uma fonte de inteligência de alto nível, relataram que "os soviéticos bombardearão H (hidrogênio) na Lua no aniversário da Revolução, 7 de novembro".
Outras reportagens indicavam que os soviéticos podiam já estar planejando lançar um foguete com armas nucleares contra os EUA.
Tal como acontece com outros rumores da Guerra Fria, suas origens são difíceis de decifrar.
Estranhamente, esse mesmo temor provavelmente motivou os soviéticos a levar seus planos adiante.
Um deles, com o codinome E4, era uma imitação do americano e acabou sendo descartado por Moscou por motivos semelhantes: medo de que um lançamento fracassado pudesse fazer com que a bomba caísse em solo soviético, no que foi descrito como "incidente internacional altamente indesejável".
Pode ser que eles tenham percebido que pousar na Lua seria mais vantajoso.
'Tecnicamente viável'
Em 2000, Reiffel disse que o projeto era "tecnicamente viável" e que a explosão teria sido visível na Terra.
O dano que a explosão teria causado ao ambiente lunar primitivo não afligiu a Força Aérea dos EUA, apesar das preocupações dos cientistas.
"O Projeto A119 foi uma das várias ideias lançadas como resposta ao Sputnik", diz Alex Wellerstein, historiador da ciência e tecnologia nuclear.
“Outra foi abater o Sputnik. Essas ideias são consideradas golpes publicitários projetados para impressionar as pessoas."
“O que os americanos fizeram no final foi colocar seu próprio satélite em funcionamento, e isso levou um pouco de tempo, mas eles continuaram com esse projeto com alguma seriedade, pelo menos até o final dos anos 1950”, acrescenta o historiador.
Na visão de Wellerstein, "foi um período bastante interessante sobre o tipo de mentalidade americana da época. Essa necessidade de que, para competir, era preciso criar algo muito impressionante".
"Acho que, nesse caso, era impressionante e aterrorizante ao mesmo tempo", acrescentou.
No entanto, Wellerstein não sabe dizer se o medo da caça às bruxas anticomunista fez com que físicos nucleares trabalhassem nesse projeto.
"Qualquer um que ocupou esses cargos provavelmente o fez porque estava motivado até certo ponto", opina.
"Eles não se importavam em fazer o trabalho. Se tivessem medo, poderiam ter feito um milhão de outras coisas. Muitos cientistas fizeram isso na Guerra Fria; eles disseram que a física havia se tornado política demais."
Foco lunar
Outro ponto de inflexão pode ter sido a Guerra do Vietnã, que pode ter provocado mais um exame de consciência.
Bleddyn Bowen, especialista em relações internacionais no espaço sideral, diz que eram estudos muito sérios, "mas não receberam financiamento ou atenção quando deixaram a comunidade espacial".
"Se houver algo como esse tipo de histeria lunar novamente, isso vai contra a ordem legal internacional estabelecida... acordada por quase todos os estados do mundo", disse ele.
Esses planos poderiam ressurgir, apesar do consenso internacional?
"Ouvi algum barulho vindo de alguns lugares e do Pentágono sobre a Força Espacial dos EUA estudando missões para o ambiente lunar", diz Bowen.
A questão, porém, é que se algumas das ideias mais malucas não pegarem nos Estados Unidos, isso não significa que elas não possam ter sucesso em outros países , como a China.
“Eu não ficaria surpreso se houvesse uma comunidade na China que quisesse promover algumas dessas ideias porque eles acham que a Lua é legal e eles trabalham nas forças armadas”, acrescenta Bowen.
A maioria dos detalhes do Projeto A119 permanecem envoltos em mistério. Aparentemente muitos deles foram destruídos.
Dito isso, a maior lição que aprendemos foi, talvez, que nunca devemos ignorar o trabalho de pesquisa com um nome indefinido e burocrático sem pelo menos lê-lo primeiro.