Piora do poder de compra dos mais pobres é visto como principal desafio, mas parte dos especialistas avalia que Brasil está muito focado em produzir para exportar.
Por Paula Salati, g1.
O Brasil é um grande produtor de alimentos, bate recordes anuais na colheita de grãos e é o maior exportador mundial de diversos produtos, como soja, café, carnes, açúcar. Ainda assim, tem gente que acorda sem ter certeza se vai comer.
Os dados mais recentes da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO-ONU) mostram que8,4 milhões de brasileiros passaram fome no triênio 2021-2023, o que representa 3,9% da população nacional.
É exatamente esse indicador que, desde 2021, mantém o Brasil no Mapa da Fome da ONU, de onde país já tinha conseguido sair em 2014, pela primeira vez.
Entre 2014 e 2024, os salários tiveram um aumento real (já com desconto da inflação) de 5%, enquanto a inflação para a baixa renda subiu 85,8%, e os preços dos alimentos dispararam 116,7%
Os dados de preços citados por Miranda são do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), calculado pelo IBGE.
“Logo, para a população de menor renda, as condições econômicas de acesso aos alimentos pioraram”, diz Sílvia.
Ela lembra que as famílias mais pobres gastam uma proporção muito maior da renda com alimentos do que as famílias de classe mais elevada.
Comida e commodities
Apesar de a renda ser um pilar fundamental, parte dos especialistas aponta que é preciso repensar o modelo produtivo do Brasil levando em conta a segurança alimentar das próximas gerações.
É o que afirma Elisabetta Recine, presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), um órgão consultivo do governo federal.
“Quando se fala se fala em supersafra de grãos no Brasil, se fala, basicamente, de soja e milho, que são voltados para exportação", diz Recine.
"Não é supersafra de feijão, que a gente come, que é voltado para o mercado interno”, afirma.
Hoje, 88% dos grãos que o Brasil colhe por ano correspondem a soja e milho, mostram dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Os dois grãos são commodities, ou seja, matérias-primas negociadas em dólar em bolsas de valores internacionais e exportadas como ração para bovinos, suínos e frangos.
Miranda, do Cepea, observa que a soja e o milho não se limitam ao mercado externo, e que também são necessários para a produção de ovos, leite, óleos, carne de frango e de suínos, que integram a cesta básica do consumidor de baixa e média renda no Brasil.
Expansão da soja, queda de arroz e feijão
Em 19 anos, a área plantada de soja cresceu 108%, e a de milho, 63%. Na contramão, o plantio de arroz diminuiu 43%, e o de feijão, 32%, diz a Conab.
Alguns dos motivos que impulsionaram essas mudanças foram o aumento dos custos de produção e a menor rentabilidade para os produtores de arroz e feijão, em comparação com os de soja e milho.
Apesar disso, o consumo de arroz e feijão diminuiu, e a eficiência dessas colheitas aumentou, ou seja, o produtor passou a colher mais por área do que há 19 anos. Com isso, a produção atual tem conseguido dar conta da demanda.
Mas Recine defende um reequilíbrio dessa cadeia de produção, com investimentos públicos no plantio de arroz e feijão, que podem ser feitos via formação de estoques, crédito público e assistência técnica para pequenos produtores.
“Quanto mais basearmos a nossa produção em produtos destinados ao mercado externo, mais risco corremos, pois as regras do mercado e do comércio internacional não estão em nossas mãos"
"A variação cambial (dólar) oscila por questões geopolíticas. A produção de commodities se organiza conforme a demanda e preços internacionais”, destaca presidente do Consea.
Para ela, aumentar a oferta de alimentos básicos pode ainda contribuir para uma redução de preços dos alimentos.
Capacidade de abastecimento
Bruno Lucchi, diretor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), reforça que a insegurança alimentar no Brasil não tem a ver com problemas de abastecimento, e que aumentar a oferta de comida não vai tirar pessoas da fome.
"Para melhorar a nutrição do brasileiro, é preciso melhorar a renda dele", destaca.
"Não só a comida ficou mais cara, como também o transporte, o custo de vida em geral. Hoje, temos muito mais pessoas entrando nos programas sociais do que saindo. E isso é um problema. Não só deste governo, mas de longa data", diz Lucchi.
"Nós passamos por pandemia, por greve de caminhoneiros, sem desabastecer nenhuma região. Claro que tivemos incremento de preço. Frete ficou mais caro. Insumo chegou mais caro. Mas não faltou alimento no Brasil", reforça.
Para o diretor da CNA, é errado também afirmar que o Brasil tem uma cultura mais voltada para a exportação.