Territórios indígenas são protegidos pela Constituição; G1 ouviu especialistas sobre como é feita a exploração nestas terras.
Por Fabio Manzano, G1.
Greenpeace flagra garimpo ilegal em terra indígena Munduruku, em Jacareacanga, sudoeste do Pará — Foto: Reprodução/Jornal Nacional
A liberação da mineração em terras indígenas, como o garimpo, é discutida há meses pelo governo por determinação do presidente Jair Bolsonaro, defensor da ideia. Em julho ele anunciou a "intenção" de regulamentar o garimpo no país, plano que inclui a liberação da atividade em terras indígenas.
O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, afirmou na quinta-feira (3) que está em análise na Casa Civil a proposta do governo federal para regulamentar atividades econômicas, como mineração e agricultura, em terras indígenas.
Veja em 7 pontos o que pode ou não em territórios indígenas. O G1 entrou em contato com especialistas e reuniu respostas sobre Constituição, o a exploração das áreas, a agricultura indígena e a mineração ilegal nas reservas destinadas aos povos tradicionais.
- A quem pertence o solo indígena?
- O que diz a Constituição?
- Quem decide o que é permitido ou não?
- O que é um licenciamento ambiental?
- O garimpo em terras indígenas é autorizado?
- Tem agricultura em terras indígenas?
- Apenas índios plantam?
1. A quem pertence o solo indígena?
Glaucia Savin, que é presidente da comissão de meio ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP), ressaltou que as terras indígenas, "como qualquer propriedade no Brasil, pertencem a quem exerce direito sobre a ela, entretanto o que está abaixo do solo pertence à União". Mas Savin destacou que é dever do Estado garantir os direitos e segurança dos povos tradicionais.
- Número de assassinatos de indígenas cresce 20% no Brasil em 2018
Por sua parte, o membro do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Gilberto Viera, destacou que a Constituição de 1988 referenda o usufruto exclusivo dos indígenas a estes territórios que são "coletivos para o uso de um povo todo" e ressaltou sua função para o desenvolvimento de suas práticas culturais.
2. O que diz a Constituição?
- Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.
- Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
3. Quem decide o que é permitido ou não?
Há um conflito de interesses, segundo a presidente da comissão de meio ambiente da OAB-SP. "Precisamos verificar se essa exploração não vai causar danos aos indígenas, que são protegidos pela Constituição. A gente tem aí dois direitos constitucionais em conflito."
A advogada explicou que esta decisão deve ser judicializada e depende de um Estudo de Impacto Ambiental (EAI), que pode indicar a inviabilidade ou não desta exploração. De acordo com a especialista, não é algo que pode ser decidido rapidamente. O Supremo Tribunal Federal (STF) pode ser acionado por se tratar de uma ação que envolve a Constituição federal.
"O Congresso Nacional vai ter que aprovar, e ainda assim tem que ouvir as comunidades envolvidas", esclareceu Savin. "Mas o projeto pode ainda ser recusado caso o impacto socioambiental seja considerado irreversível."
4. O que é um licenciamento ambiental?
Savin explicou que para a implantação de uma atividade mineradora, há um estudo dos impactos no meio ambiente e na população ele é tão importante que pode impedir a aprovação da atividade.
"O 'Estudo de Impacto Ambiental', é o mais completo. Em um caso como esse, os impactos da mineração são às vezes irreversíveis. A lavra termina e não é incomum que o responsável não execute um plano de recuperação."
5. O garimpo em terras indígenas é autorizado?
Não. Como explicou a advogada Savin, o subsolo é propriedade da União, mas qualquer garimpo que não seja liberado pelo governo é ilegal. Para regulamentação, há um um processo de licenciamento ambiental que leva em conta a função socioambiental do territórios indígenas, protegidos pela Constituição.
"Para proprietários de terras não indígenas, não é permitido vetar a exploração em seu território e é prevista uma compensação financeira. Já em relação aos indígenas, as terras são protegidas para o exercício de atividades de acordo com a cultura de cada povo", diz a advogada.
Por sua parte, Haroldo Heleno, especialista em mineração do Cimi comentou que não existe uma legislação que regulariza o garimpo em terras indígenas, mas reconheceu que além das invasões – foram mais de 500 no território Munduruku, por exemplo – há alguns grupos de indígenas que são cooptados por garimpeiros da região.
6. Tem agricultura em terras indígenas?
Sim. Um acordo entre Funai, Ibama e MPF permitiu em 2018 o plantio de 18 mil hectares de grãos em terra indígena, no Mato Grosso. Vieira comentou também de exemplos de grupos étnicos que chegam a exportar produtos de coleta e plantação – em pequena escala –, como os Yanomami que exportam cogumelos.
"Entre os povos indígenas, boa parte tem a prática da agricultura há seculos. Com a domesticação de vários produtos que hoje a gente consome, como a mandioca e a batata", destacou Viera. Para este especialista, a agricultura de alto impacto é prejudicial aos grupos por conta da contaminação dos solos e dos mananciais dentro das reservas.
7. Apenas índios podem plantar?
Sim. Vieira explicou que o plantio em terras indígenas deve ser feito pela própria população tradicional. Ele comentou que há projetos que pretendem liberar 50% de cada território para arrendamento, mas alertou que esta autorização pode, a longo prazo, representar a perda de terras pela população tradicional.
"Há um histórico de que esse tipo de parcerias, nas regiões Centro-oeste e Sul significou a perda dos territórios por parte dos povos indígenas". Segundo o missionário, em alguns casos os arrendatários das terras acabaram levando a titulação das áreas e povos como os Caingangues e Guarani, lutam até hoje para reaver seus territórios."